quarta-feira, 3 de março de 2010

UM EXEMPLO DE REDAÇÃO BEM DESENVOLVIDA

Tema: narrativa em local inusitado, com tempo de 5 minutos

Boemia

“Que idéia estupenda!” – Foi isso que pensávamos. Nada melhor do que ir a um clube noturno da França Revolucionária para encontrar a beleza, a poesia e, sobretudo, o amor. “Le Chateaux” era o nome, e aquela era ‘a’ noite. Não foi bem o que aconteceu.
Embaixo das luzes brilhantes, havia uma porta de entrada, ao atravessá-la, abriu-se também a promessa de outro mundo. De fato, era um outro mundo, distante de tudo que eu havia visto.
As mulheres usavam jóias que tinham seus brilhos ofuscados por holofotes, o salão cheirava a perfume barato, laquê e licor. Havia absinto nos copos meio vazios, o chão, repleto de lantejoulas e brilhos, estava riscado pelos saltos finos.
De um lado, a ruiva dançava, forçava um sorriso no rosto, forçava um corpo vazio. Tristeza ecoava nela, de uma ponta a outra, pressionando ainda mais seu peito ao espartilho. Tinha marcas de mordidas causadas pelo tempo em seu pescoço.
A jovem loira tinha cara de anjo, mas estava bêbada. Seus cachinhos dourados enroscavam e passavam pelas mãos dos homens. Parecia gostar disso, mas não foi isso que o garçom comentou.
A morena parecia estar em outro mundo. Boatos diziam que há um bom tempo havia perdido o marido, ela precisava de dinheiro, sua filhinha dormia em um daqueles cômodos. O colar de pérolas estava gasto, e a renda furada. Sentada no sofá vermelho, lamentava silenciosamente o destino.
Quanto mais fundo o salão ficava, menos conversa se ouvia, a música ecoava e palavras aveludadas eram sussurradas nos ouvidos ocos. Cada vez mais plumas e risos falsos, meias e sofás gastos. A cada passo dado, meus olhos queriam se fechar, meus pés me impulsionavam a correr, a cada centímetro perdia-se o amor.
Quatro minutos e meio de puro inferno, ou o mais parecido com isso. Foi o suficiente, não demoraram mais dez segundos para eu obedecer meus pés e sair, sem olhar para trás. O único amor que encontrei foi o daquela mãe que se perdia na noite e a única poesia estava nos sonhos de sua criança.


Isabela Kronemberger Mantelli 15/02/2010